terça-feira, 22 de março de 2011

A importância do Conceito de Relevância Pública para o Direito Sanitário


Por. Marcelo Henrique dos Santos

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: 
(...)
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

Deve-se estabelecer prefacialmente que os aspectos que ora se analisa, dizem respeito ao modelo constitucional e à teoria que adequadamente precisam ser enfrentados para que se apresente alguma indicação do que vem a ser o instituto em foco.

Traçando os lineamentos básicos do temário, segundo pontifica J.J.G. Canotilho, tem-se que a inteligência de uma constituição deve buscar um conceito constitucionalmente adequado, nesta mesma linha ainda complementa o jurista lusitano: “a compreensão de uma lei constitucional só ganha sentido útil, teorético e prático, quando referida a uma situação constitucional concreta, historicamente existente num determinado país”.[1]

Esta visão é extremamente importante para que se possa precisar que a leitura a ser feita da Constituição, enquanto instrumento positivo, deve se desenvolver dentro de contornos realísticos, vale dizer, o que se espera é um mecanismo que expresse a realidade fenomênica, o que se busca é uma Carta verdadeira, no sentido dogmático-político e que seja capaz de construir um conhecimento constitucional inafastável da contextualização social.

A nossa Carta fundamental é inegavelmente um instrumento de natureza dirigente. Tal noção foi adequadamente desenvolvida pelo mestre português acima mencionado, que assim estabeleceu seus principais contornos:

O que se conota, pois, a partir do conceito de ‘Constituição dirigente’ é o sentido de um texto que objetiva a mudança social, indo além, por conseguinte, de representar um simples elenco de ‘instrumentos de governo’ haja vista a enunciação de fins, metas, programas a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade. Não se trata, como se evidencia, de um ‘estatuto jurídico do político’ mas sim, um ‘plano global normativo’ endereçado ao Estado e à própria sociedade. [2]
           
Desta feita, pode-se afirmar sem qualquer sombra de dúvida, que nossa Carta Constitucional encarta visão nitidamente dirigente, destacando-se um plano global normativo, fortemente preponderante, sendo seu artigo 170 uma inequívoca demonstração de tal assertiva.               

DA CONSTITUIÇÃO DIRIGENTE E SUA RELAÇÃO COM A ORDEM SOCIAL.
                                       
De forma prefacial, cabe-se evidenciar, que em sentido jurídico a expressão conceito, deve ser tida sob a ótica de significação, para que se tenha a mínima possibilidade de se entender os aspectos propostos, ao menos, dentro de critérios de segurança e certeza. Assim, o conceito jurídico nada mais representa do que uma significação atribuível ou não, a coisas, estados ou situações, conforme bem afirma Prof. Eros Roberto Grau. Neste passo, é utilizado para estabelecer os contornos essenciais das normas jurídicas permitindo seu alcance e sobretudo seu direcionamento, vale dizer, dentro de uma ótica principiológica que as torne aplicáveis.

No que concerne ao enfrentamento conceitual do que seja relevância pública, importa evidenciar alguns aspectos de caráter organizacional, que perpassam pela aceitação dos princípios como estruturas criadoras e mantenedoras de um sistema, conforme afirma o Prof. Celso Antônio Bandeira de Melo, os princípios são de tal ordem de imprescindibilidade, que dependendo do nível de desprestígio, ou de sua ausência todo o sistema pode ruir. Inegavelmente o tema proposto vincula-se a aspectos de organização social de ingente amplitude, não se limitando às questões de saúde.

Ao se analisar os aspectos fundamentais estabelecidos na Carta Constitucional, deve-se necessariamente observar-se os artigos 1º e 3º da Fonte Maior, especialmente o primeiro permissivo que em seu inciso III, estabelece o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que apresenta íntima ligação com os arts. 129, II e 197 da mesma sede, que respectivamente tratam da atuação do Ministério Público na defesa dos serviços de relevância pública, e da definição das ações e dos serviços de saúde que naquela se enquadram.

É importante destacar que a Constituição Federal nos impulsiona à conclusão de que os serviços de relevância pública possuem maior abrangência do que a própria definição do art. 197, incorporando-se inclusive outros que podem ser exercidos pelo setor privado em regimes de concessão ou de permissão.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Dentro da conceituação de extremada importância do tema em apreço, deve-se considerar que sua origem e extensão possuem conotações no âmbito social, de variadíssima amplitude, entendendo-se que o fundamento estampado na Constituição Federal, em seu art. 1º inciso III, não deixa qualquer dubiedade quanto à importância da exaltação do ser humano enquanto alvo maior das ações públicas, que não podem de maneira alguma ser desprestigiadas, neste contexto insuperável, identificam-se o inalienável direito à educação, a um ambiente equilibrado e desprovido de qualquer incidência perniciosa que afete o cidadão e por fim, o objeto do presente estudo, qual seja , o direito à saúde e outros que na mesma linha de essencialidade, devam ser protegidos, especialmente pelo órgão do Ministério Público em razão da definição legal retro expressada.

O interesse público, que pode ser entendido como aquele que deve passar pela ótica do bem comum, acha-se diretamente associado à noção de relevância pública, que quanto à prestação de saúde identifica-se mais detidamente como interesse público primário, conforme se depreende das noções expressadas pelos promotores Antônio A. M. de Camargo Ferraz e Antônio H. V. e Benjamin que pontificam a fundamentação constitucional do já mencionado tema, sob o aspecto de que tem por base o interesse público que deve funcionar como sinonímia de interesse social, dando-se ao Ministério Público especial papel em sua efetiva perpetuação.

Dentro da premissa ora gizada, não pairam dúvidas, quanto à identificação da saúde como direito social e de inequívoca relevância pública, cabendo ao Ministério Público o seu velamento intransigente em benefício da sociedade, deve-se considerar como extremamente apreciável o duplo sentido da expressão evidenciado pelos dignos membros do Ministério Público de São Paulo, quais sejam o sentido geral, encartado no art. 129, II e o especial, do 197 da Carta da República.

Finalizando, no que diz respeito às extensões e reflexos consenquenciais da identificação da relevância pública como interesse público primário, no âmbito constitucional é imperioso que se entenda que especialmente no que pertine à saúde enquanto inalienável direito público subjetivo do qual o Estado é prioritariamente o responsável, deve-se considerar que todas as suas ações exercidas por entes estatais ou não, devem ser adequadas, seguras, eficazes, prontas e hábeis ao atendimento dos cidadãos onde quer que se encontrem.

O Estado deve sempre estar atento para de forma imediata buscar as necessárias superações de vicissitudes através da implementação de programas preventivos e de correções, para que a utilização dos serviços de saúde se desenvolvam de forma operacionalmente razoável. Enquanto interesses públicos que merecem máxima proteção, compete ao Ministério Público no cumprimento de sua função institucional, velar pela plena identificação dos critérios informadores da relevância pública, valendo-se de todos os mecanismos legais para o suprimento das omissões eventualmente identificadas, geradas pelo Poder Público, ou por particulares, corrigindo os desvios, quando presentes, especialmente através de Inquéritos Civis e Ações Civis Públicas, em defesa de direitos coletivos, individuais homogêneos ou difusos.


[1] Direito Constitucional.Coimbra:Almedina,1991,p.80.
[2] Ob.cit. Coimbra Editora,p.11 e ss. 

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